“O Homem que Não Dormia” é o tipo do filme que o establishment cinematográfico gostaria de ver longe das telas.
 No mais, acredito que conseguirá; a barragem hoje é muito forte contra tudo que não seja “agradável”.
 E, no entanto, como diz o próprio Edgard Navarro, autor do filme, há muitas coisas desagradáveis no mundo “a começar por mim”.
 Há alguma coisa desagradável em “O Homem que Não Dormia”, mas não  muita, essa é a verdade. O que Navarro fez é um filme da Bahia por  excelência, que já começa com um contador narrando histórias fantásticas  de lobisomem e mula sem cabeça para uma platéia encantada com aquilo.
 Não há distância entre narração e fato.s O narrador diz o que aconteceu e todo mundo acredita.
 O que se segue é uma série de aparições de seres misteriosos, de  deuses e semideuses, demônios e outros seres malvados, de cartomantes  com previsões, procissões, cornos, fofoqueiros, coronéis ameaçadores, o  fabuloso homem condenado a viver eternamente, de maneira errante e sem  dormir. Aqui o sono se confunde com a vigília, assim como o passado com o  presente, os santos com os demônios e o sonhado com o mundo real.
 Não há separação entre o mundo de semideuses e figuras fantásticas e o  cotidiano da uma cidadezinha: o fantástico está entre os homens e é  vivido como realidade, sem diferenciação.
 E mais uma vez fica a impressão de que o velho “cinema marginal” dos  anos 70 ressurge hoje como fantasma do “Brasil novo”. Naquele momento  era rebarbativo, não raro agressivo, porque queria tratar de uma  situação em que o feio, o desagradável, o não-dito eram solidamente  reprimidos.
 Hoje o mundo é outro .
 O cinema oficial está aí, feliz, cheio de espetáculos. É importante  desafinar o coro dos contentes, o que o filme de Navarro faz não sem  desenvoltura.
 E às vezes desenvoltura demais, concordo. Esse hábito de investir em  imagens escatológicas (desta vez delicadas para seus padrões: não falta  gente urinando) parece uma marca pessoal que o diretor acredita  caracterizar seus filmes. Eu não acho que seja bem assim.
 As idéias acabam alguns minutos antes do filme, e a necessidade de  dar fecho às várias histórias já chega num estado de esgotamento. Da  mesma forma, me parece meio pueril a solução final (embora plasticamente  interessante), referente ao padre: o que até ali vinha sendo levado com  ambigüidade e equilíbrio parece de consolidar em um anticlericalismo  (ou anticatolicismo, no caso dá no mesmo) que limitam o conteúdo  gostosamente fantástico da maior parte do filme.
 Mas isso é bem pouco para invalidar um esforço inteligente e mais que talentoso.
Como eu disse: isso não vai para o cinema assim tão fácil, não.
 Como eu disse: isso não vai para o cinema assim tão fácil, não.
Mas aqui, nesse canto minoritário, também meio marginal, vai existindo, sim.
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