segunda-feira, 18 de julho de 2011

Ponto Cine e a ampliação da exibição de filmes no Brasil

Há poucas semanas estive na comemoração do quinto aniversário do Ponto Cine, uma sala de cinema que fica no bairro de Guadalupe, no extremo da Zona Norte do Rio de Janeiro. A festa foi bonita e marcante. Como saldo, a certeza de que empreendedores do setor de exibição cinematográfica praticam possibilidades mais diversas de modelos de negócio do que nossas políticas públicas estão sendo capazes de perceber, nos colocando o desafio de repensar a noção e a extensão daquilo que chamamos de mercado.
O Ponto Cine é uma sala de 72 lugares com projeção digital, som 5.1, e exibição apenas de filmes brasileiros, a divulgação é feita com uma minivan que exibe os traillers em praças e avenidas e vem acompanhada de divulgadores/lanterninhas, distribuição de pipocas, panfletos e muita conversa. Além disso, o Ponto Cine conta com uma equipe de 14 pessoas, todos moradores do bairro, que fazem do seu trabalho mais do que um emprego, mas um projeto de vida. 
Essa rápida descrição já é suficiente para mostrar que Adailton Medeiros, proprietário do cinema, entendeu que, para que seu negócio desse certo ele teria de ser gerido como um projeto cultural, e talvez seja por isso que a festa de aniversário do Ponto Cine tenha reunido tanta gente, de patrocinadores a comerciantes vizinhos, de escola de samba a gestores públicos, de diretores de cinema a estudantes, todos que ali estavam eram mais do que consumidores habituais, mas antes, cúmplices de um projeto do qual todos nos sentíamos participantes.
Essas características tão originais, e o grande sucesso do Ponto Cine, nos provoca a pensar sobre as políticas para ampliação do parque exibidor brasileiro, gargalo reconhecido e apertado pelo qual nossos filmes têm de passar. 
Segundo dados do Observatório do Cinema e do Audiovisual da ANCINE, o Brasil é o décimo terceiro país em número de salas, mas apenas o sexagésimo em termos de densidade, pois 81,14% das salas estão localizadas em shoppings (de certa maneira, inclusive o próprio Ponto Cine) e apenas 18,86% em outros locais. Segundo dados do Data Base Brasil 2010, do site Filme B, o principal grupo exibidor atuante no país (Cinemark) possui 19,7% do total de cinemas e 34,1% da renda aferida por esse segmento de mercado no país. Somado aos outros treze maiores grupos exibidores, acumulam 66% das salas e 86,6% da renda. Vale dizer que o restante da renda produzida pelo setor de exibição é pulverizado entre cerca de 40 empresas de menor porte que apresentam um perfil variado no que se refere à sua forma de organização empresarial, e que desenvolvem as mais variadas estratégias de atuação.
É possível afirmar que o parque exibidor no Brasil se caracteriza pela concentração territorial, pela concentração em, praticamente, um único modelo de negócio e pela concentração de renda em um pequeno número de grupos exibidores, características que derivam do fato de os maiores grupos exibidores nacionais prestarem o serviço preferencialmente para as classes com maior poder aquisitivo. Essa tendência em concentrar o acesso aos serviços de exibição cinematográfica para o público das classes A e B é reforçada pelo crescente investimento dos maiores grupos exibidores na construção e adaptação de salas para a tecnologia 3D. 
É verdade que hoje se iniciam algumas operações de exibição voltadas para a emergente classe C, como é o caso do Cine 10 e da rede Cinesystem, que instalaram complexos em bairros do subúrbio do Rio de Janeiro. Mesmo assim, isso não é suficiente para indicar que o setor esteja, de fato, consolidando alternativas em larga escala.
Essa enorme concentração gera um efeito contrário, que é o surgimento de pressão sobre os diferentes níveis de governo para que ofereçam apoio para a expansão dos cinemas pelo país. Atualmente, há prefeituras que compram ou montam cinemas em suas cidades como nos casos de Fortaleza/CE e São Carlos/SP, e há o governo federal com políticas como a indução à retomada do cineclubismo, o estímulo a abertura de salas em cidades menores e nas periferias de grandes cidades pelo programa Cinema perto de Você, a regulamentação de FUNCINES que também podem ser dedicados á exibição, e o Prêmio Adicional de Renda para exibidores, premiando os pequenos complexos de 1 e 2 salas que mais exibem filme nacional.
A pergunta que se coloca é se estas soluções são suficientes para atender as necessidades do país na velocidade necessária. A exceção do Prêmio Adicional de Renda, que deve ser ampliado insistentemente, ano após ano, nenhum dos outros mecanismos de fomento favorece o acesso a um projeto como o Ponto Cine. No entanto, a realidade mostrou que é possível ter uma sala de cinema sustentável que seja, ao mesmo tempo, um projeto cultural com forte impacto na vida da comunidade, contemplando as dimensões de negócio e de fortalecimento da cidadania. Essa dupla importância foi visível na festa dos cinco anos do Ponto Cine, e também está presente em outros casos, que não vou citar para não ser injusto com outros que não conheço.
É preciso ampliar o escopo das políticas voltadas para a expansão do parque exibidor no Brasil, considerando experiências internacionais e algumas que estão ocorrendo bem aqui na nossa frente, mas que não conseguimos perceber. Aqui eu nem estou me referindo à experiência contemporânea de consumo audiovisual em mídias móveis (celulares, tablets etc.), assunto que devemos tratar num outro momento, mas tratando especificamente do estímulo à exibição de filmes em tela grande.
Existem modelos de negócio a serem estudados e fomentados como o cinema itinerante, por exemplo, muito pouco explorado no Brasil como negócio – ainda que seja muito utilizado para difusão cultural, os circuitos regionais, salas públicas em parceria com gestores privados, circuitos especializados em determinados nichos de consumidores, circuitos articulados pelas entidades do “Sistema S”, entre outras possibilidades que, se abarcadas pelas políticas públicas nos três níveis da federação, poderiam descortinar caminhos efetivos e inusitados para a ampliação do acesso ao audiovisual, em especial ao nosso audiovisual.
É preciso incentivar as boas práticas, e o papel do Estado é percebê-las onde estiverem acontecendo. O Ponto Cine de Guadalupe é um exemplo de superação e excelência que revela, acima de tudo, que existem outros potenciais modelos de negócio e empreendedores corajosos e criativos pulsando pelo Brasil a espera de nossa atenção.

By Glauber Piva 
Diretor Ancine

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