Transformar sapo em príncipe, chumbo em ouro ou prever o futuro será pouco para livrar a pele do protagonista de Pinball, curta-metragem dirigido por Ruy Veridiano. É a Morte em pessoa que espera o jovem bruxo em um fliperama da cidade, e ele terá que reunir todos seus conhecimentos em magia para elaborar um feitiço que lhe renda uma vida a mais no jogo.
“Eu não inventei os princípios de magia que estão no filme, tudo isso pesquisei no Aleister Crowley. Esse é um universo que acho interessante, não sei direito por quê, mas sempre achei. E me pareceu um caminho para levantar uma questão além do plano físico. Eu quero entender o que existe na alma do ser humano, sabe? Eu estou mais interessado na alma do que na política”, filosofa Ruy, que recentemente teve outro curta aprovado para captação, por meio da Lei Rouanet, e um roteiro de longa premiado no Festival de Paulínia.
A trama de Pinball é peculiar e a narrativa é fragmentada, mas, para criar o clima que o filme pedia, era preciso fugir da moda e apelar para o clássico. Na era dos filmes digitais, Pinball se vale da película para estrear um formato inédito no país. Foi o primeiro curta filmado com a Panavision de duas perfurações, câmera que imprime em formato bem horizontal (2:70) e, por isso, resulta numa economia de aproximadamente 50% em negativo. Com um rolo de 120 metros, por exemplo, em vez dos quatro minutos e meio convencionais, roda-se quase sete.
Muito do filme foi encenado nas ruas do centro de São Paulo, e no formato 2:70 a cidade teve espaço de sobra. “Esses formatos mais compridos contextualizam os personagens e permitem uma movimentação interna maior. Você consegue ver o cara correndo de um canto a outro da tela. Tem cena que parece uma teleobjetiva para o ator e quase uma grande angular para o fundo, entendeu? Isso favoreceu, a gente tinha muita facilidade na composição do quadro”, relembra o fotógrafo Alziro Barbosa.
A ideia de partir para o retângulo horizontal foi bem acolhida pelo diretor do curta, que “buscava uma estética mais estilizada, porque a mensagem também é o jeito como você conta a história. E, com esse formato, a gente conseguia fazer planos que dialogavam mais com as artes plásticas e com certo tipo de tensão que eu estava procurando. Percebi que podia fazer planos mais longos e muito mais interessantes”, conta Ruy.
Se compor quadro parecia simples, o corte de uma lente para a outra era delicado. “De um plano aberto a um fechado dava mais problema, porque, como essa relação com o espaço é maior, quando você fechava a câmera, o espaço continuava grande. Tinha que ser muito bem pensado. Quase sempre você tinha planos médios para fechados dos atores”, diz Alziro.
A produção custou 150 mil reais e foi desse montante que saíram os 20 reais para honrar o aluguel de um porco, ou “javaporco”, como corrige o diretor. O animal participou de uma cena com o ator Rodrigo Pavon. “Depois de uma mulher vestida de Morte, um cara vestido de feiticeiro, cemitério, sangue, um pinball… Quando a gente chegou com o porco, ninguém nem comentou, fazia o maior sentido ter um porco lá, sabe? A equipe a chamava de Brigite. Às vezes, ela gritava, então o Pavon a pegava no colo, fazia carinho e ela se acalmava”, lembra o diretor, que escalou para o papel de Morte a atriz Juliana Gaudino, vencedora do Prêmio Shell 2002 pela peça Antígona e Medeia 2.
O sangue falso do porco no filme foi o que salvou a pele do animal na vida real. “Quando a gente devolveu a porca para o dono, o cara decidiu que não ia mais matá- la, mas sim alimentá-la e transformá-la em reprodutora do sítio dele. Era uma porquinha com uma história incrível para ele contar e, se a matasse, perderia a história. Então ela virou matriz e está imortalizada no cinema!”, diverte-se Ruy.
A estética bem cuidada e a atmosfera sombria de Pinball lhe renderam lugar na seleção de curtas do 38º Festival de Gramado, onde o filme terá sua primeira exibição pública.
By Luara Oliveira, Revista Beta
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